segunda-feira, setembro 03, 2001

 

((('Eu sei o que estou fazendo', diz empreendedor do clone humano)))

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
da Folha de S.Paulo, em San Francisco

A maioria dos cientistas é contra a clonagem humana não por convicção, mas
por medo. E Ian Wilmut, o pesquisador escocês que produziu a ovelha clonada
Dolly, deveria "fazer a lição de casa" e explicar ao mundo por que seus
resultados são "tão ruins".

As acusações, disparadas em tom triunfante, vêm de um dos cientistas mais
atacados da atualidade: Panayiotis Zavos, professor aposentado da
Universidade de Kentucky (EUA). Em Roma, sexta-feira passada, sob uma
tempestade de críticas, Zavos anunciou, com o colega Severino Antinori, que
está em fase avançada de pesquisas para clonar um ser humano. Isto é, uma
cópia genética idêntica de uma outra pessoa.

Aos 57 anos, natural da ilha mediterrânea de Chipre, casado com uma colega
de trabalho, Zavos tem uma única filha, que faz 2 anos amanhã. Ele falou por
telefone à Folha. A seguir, os principais trechos.

Folha - O sr. acaba de voltar da Itália. Como estava o ambiente durante o
anúncio?

Panayiotis Zavos - Um frenesi. Mais de 200 jornalistas numa sala comigo e
meus colegas. Vocês são muito sedentos de informação, sanguessugas.

Folha - O sr. já esperava a reação negativa?

Zavos - Quando fizemos o primeiro anúncio, em janeiro, no Kentucky, não
esperávamos incendiar o mundo, como aconteceu. Agora, estamos numa segunda
fase do incêndio.

Folha - Os srs. disseram que o principal objetivo é ajudar casais estéreis.
E se um homossexual solteiro quiser ser clonado?

Zavos - Ainda não decidimos. Temos de estudar mais. Mas, em princípio,
preferimos casais.

Folha - Mas ainda podem mudar de idéia?

Zavos - A decisão não será só minha. O mundo inteiro vai dar as diretrizes.
Cada país vai ter leis específicas. Na semana passada, fui à Grécia e ao
Chipre para ajudá-los a formular suas regras, para que essa tecnologia não
tome rumos indesejados. Queremos que o uso seja estritamente
terapêutico-reprodutivo.

Folha - O sr. tem sido muito criticado pela chamada ciência 'mainstream'
(oficialmente estabelecida).

Zavos - Mainstream. É isso mesmo que eles são.

Folha - Isso o faz se sentir um renegado?

Zavos - Claro. Mas nossos antecessores, nos primórdios da fertilização in
vitro (fora do corpo), sofreram as mesmas críticas. Só que não reagiram tão
abertamente quanto nós. Achamos que o mundo precisa saber de tudo, ao mesmo
tempo em que desenvolvemos a tecnologia.

Folha - Os cientistas acham melhor debater primeiro e desenvolver depois.

Zavos - As decisões devem ser tomadas abertamente, pelo mundo todo.

Folha - Mas deu a impressão que o sr. vai em frente, sem esperar que o mundo
decida.

Zavos - Não vamos esperar. Já estamos nos movendo e vamos arrastar o mundo
junto. Já disse: o gênio saiu da garrafa. Ou seja, o primeiro passo já foi
dado. Essa tecnologia é inevitável. A questão: quem deve desenvolvê-la?

Folha - Quem seria?

Zavos - Meu grupo, porque temos a base científica. Melhor nós do que alguma
seita, como os raelianos (seita norte-americana que tem na clonagem humana e
na recepção a extraterrestres os pontos-chave de sua doutrina). Eles alegam
que têm experimentos com óvulos de vaca que meu grupo já fazia há dez anos.
Estamos muito à frente. E já estamos tendo sucesso.

Folha - Como assim? Em que estágio estão suas experiências?

Zavos - Temos várias experimentos em curso. Mas não posso dizer mais nada.
Progredimos a cada dia.

Folha - Em quanto tempo vamos ter um clone humano?

Zavos - Em um ano e meio ou dois anos teremos um embrião viável, que será
transferido para uma mulher e dará origem a uma criança saudável.

Folha - Achei que o sr. fosse dar um prazo menor.

Zavos - Não queremos pular etapas. Precisamos de critérios muito rígidos
para saber se um embrião é 100% viável.

Folha - Ian Wilmut, que produziu a ovelha Dolly, é um crítico do sr. Diz que
o principal problema durante clonagens é a taxa de sucesso muito baixa. E
que, mesmo quando um feto se desenvolve, o risco de deformações é alto.

Zavos - Wilmut deveria se perguntar onde errou, para ter resultados tão
ruins. Provavelmente não fez a lição de casa. Na produção de Dolly, em 277
tentativas, ele obteve 29 embriões. E implantou todos em ovelhas receptoras.
Mas nós só vamos transferir os melhores embriões. Wilmut estava ansioso, nem
selecionou os embriões. Simplesmente transferiu. Quanto às deformações, é
que, em animais de laboratório, há um grau muito alto de intracruzamentos,
em populações pequenas. Isso torna o DNA muito mais instável, sujeito a
problemas genéticos. Entre seres humanos, intracruzamentos são bem mais
raros. É como se o DNA fosse mais resistente.

Folha - Mas há muitos outros cientistas trabalhando com clonagem e todos
divulgam vários resultados negativos.

Zavos - Nem todos. Há pouco, um grupo japonês produziu 10 bezerros
extremamente saudáveis a partir de 10 transferências de embriões.

Folha - De novo: não seria melhor fazer tudo isso na ciência estabelecida, e
não como renegado?

Zavos - Só se você convencer os cientistas. Aí eu poderia me juntar a eles.
Um importante pesquisador me disse que é contra a clonagem porque não
saberia o que fazer com um bebê assim. Em vez de ser contra a priori, eles
deveriam discutir diretrizes, porque, uma vez que a clonagem aconteça, é a
ciência como um todo que vai levá-la adiante.

Folha - O sr. está acusando os cientistas de medrosos?

Zavos - Certas pessoas preferem passar fome a atravessar a rua para comprar
um sanduíche. Medo de atropelamento. Como não sabem lidar com a clonagem
humana, preferem nos acusar de sem ética, imorais, renegados.

Folha - O sr. é religioso?

Zavos - Muito. Faço parte da Igreja Ortodoxa Grega. Deus quer que ajudemos
os homens a ter uma vida saudável. Muitos católicos fazem fertilização
artificial comigo, indo contra o papa. O papa podia vir ao encontro do povo,
em vez de o povo se aproximar da sacada dele e perguntar: "Sobre o que o sr.
conversou com Deus ontem à noite?".

Folha - Já que falou em Deus, clonar humanos é brincar de Deus?

Zavos - Não. Sou tão humano quanto você. Deus apenas me guia. E diz:
"Continue, você está no caminho certo".

Folha - Pela quantidade de críticas, o sr. parece muito confiante.

Zavos - Claro. Eu sei o que estou fazendo.


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