terça-feira, agosto 27, 2002
(( Arte feita com cachorros mortos é mal recebida no Chile ))
da Reuters, em Santiago
Uma exposição de arte chilena com cães mortos recolhidos das estradas vem provocando polêmica no país de hábitos conservadores, especialmente em torno do uso de verbas do governo para promover o evento.
O pintor e escultor responsável pela mostra, Antonio Becerra, vasculhou as ruas da capital colhendo cerca de uma dúzia de corpos de cães atingidos por carros.
Em seguida, embalsamou os corpos mutilados e pintou sobre eles, inserindo pinos e cravos de metal em sua carne conservada.
Políticos e pessoas que gostam de animais reagiram com ultraje à exposição "Óleos sobre Cães", possibilitada por uma verba de 7.800 dólares doada pelo governo.
Becerra defendeu seu trabalho, dizendo que é uma reflexão sobre a violência e a crueldade da sociedade.
"Não quero representar o cão. O que eu faço é um misto de matança, escultura e enfermagem, já que encontrei cães jogados na estrada que estavam apenas semimortos, e eu tive que ajudá-los", contou o artista à Reuters na segunda-feira.
Para se preparar para a exibição, Becerra estudou taxiodermia, frequentemente utilizada em museus para conservar animais a serem expostos.
Um dos cães na exposição traz uma pintura a óleo do papa João Paulo 2o e um crucifixo em seu lombo. Outro tem sua pelagem branca recoberta de borboletas azuis e laranjas pintadas. Um cachorrinho marrom traz uma fileira de cravos metálicos afiados inseridos ao longo de sua espinha.
Além disso, os ferimentos e as deformações provocados pelo fato de os cachorros terem sido atingidos por carros também estão claramente visíveis.
A exposição provocou ultraje entre grupos de defesa dos direitos dos animais e alguns políticos, que criticaram o governo chileno por financiar o projeto.
"Mesmo que os animais não sejam seres racionais, eles merecem um mínimo de respeito. Seus corpos mortos não deveriam ser sujeitos a qualquer intervenção, por artística que seja", disse o diretor do grupo ambientalista Greenpeace no Chile.
Os legisladores no Chile, o país mais conservador da América Latina, onde o aborto e o divórcio ainda são ilegais, ficaram preocupados com as implicações morais do trabalho de Becerra.
O governo promove as artes por meio de doações anuais a artistas, o fundo Fondart.
Em 1997 o Fondart foi criticado por ter financiado um retrato a óleo de Simon Bolívar, herói na América Latina que liderou a luta pela independência da Espanha no século 19, vestindo lingerie feminina.
Um ano mais tarde, a fundação patrocinou a construção no centro de Santiago de uma casa transparente de vidro, dentro da qual uma jovem viveu e conduziu toda sua rotina diária, inclusive tomar banho, sob os olhares dos transeuntes.